O espetáculo musical criado para a primeira infância, mas que encanta a todas as idades e proporciona uma troca de afetos através de diversas linguagens artísticas.

Cafuné apresenta um roteiro poético onde as cenas e canções originais, inspiradas na cultura caipira e nas festas tradicionais de todo o Brasil e também nas composições de Villa Lobos e suas pesquisas sobre cantigas de rodas, são apresentadas pertinho do público, tocadas, cantadas e brincadas ao pé do ouvido.

Como se o mundo estivesse despertando para um novo olhar, as canções brincam com nuvens, trens, barquinhos de papel e permeiam o espetáculo com arranjos lúdicos e delicados e diversos instumentos como violão, viola caipira, flauta transversal, e percussão corporal.

Além das danças e ritmos brasilerios, e de bonecos, figurinos e adereços inspirados nos folguedos populares, as performances carregam uma variedade de referências como os espetáculos de ballet da escola Bauhaus e os parangolés de Hélio Oiticica numa encenação que passeia pelos olhares, se deixando tocar e convidando para uma troca de experiências sensoriais, estéticas e afetivas.

O cenário é uma instalação sensorial poética que vai se descortinando e no fim do espetáculo se abre para o público poder adentrá-lo e “ olhar com as mãos “ cada detalhe feito artesanalmente com diversas técnicas de bordado, rendas, crochê, fuxicos, almofadas aromáticas.

Ficha Técnica

Elenco: Elaine Buzato, Preta Ribeiro , Valter Silva

Direção: Elaine Buzato

Coreografia : Preta Ribeiro

Canções : Valter Silva

Cenografia, bonecos, adereços, figurinos : Elaine Buzato

Ciração e operação de luz : Ana Matie

Duração : Espetáculo 50 minutos.
Classificação etária : livre

Crítica
Por Mirian Cris Carlos
Poeta e Doutora em Comunicação e semiótica

Cafuné
As cortinas se abrem para um mundo iluminado que narra a beleza da infância de mãos dadas com a poesia. Cores e texturas, ritmos e movimentos aquecem, amolecem, derretem por completo os corações desmanchados em ternura. Trata-se de um afago: um Cafuné, nome mais do que apropriado para o novo espetáculo e também o sexto álbum da Cia. Tempo de Brincar.
O Cafuné remete à nossa ancestralidade, à mistura que resulta em nossa brasilidade e à singeleza do artesanato popular brasileiro. Com movimentos belamente coreografados, que vão do chão aos céus, do palco às escadas da plateia, materializam-se em arte as nossas fundas raízes, seu tronco, copa e folhas, árvore de nossas vidas tecidas em delicadeza, sempre tão necessária, quanto mais em dias sombrios e carregados de tanta intolerância e de tantos desencontros.
Palavra de origem africana, cafuné é o gesto de coçar a cabeça do outro, mas se alargou em sentidos variados e se tornou afeto, carinho, comunicação com as profundezas de nossa alma: encontro que nos encanta. Serve para acalmar, demonstrar amor, trazer para perto, comungar. É uma palavra musical, sonoramente aberta e gostosa de dizer. Cafuné enche-nos a boca, os ouvidos, os olhos e a alma. Convida à reciprocidade e ensina não apenas a ofertar, mas, sobretudo, o saber aquietar-se para receber, para se entregar ao cuidado de alguém que nos acaricia.
Cafuné é um espetáculo a ser experimentado, repleto de multisensorialidade, pois envolve, como um longo e apertado abraço, os corpos dos participantes em meio à música, à visualidade e ao toque-convite, quando o público interage com os adereços, as texturas dos figurinos e com as bailarinas que passeiam pela plateia, sorriem, abaixam-se para que os pequenos possam olhar com mais cuidado e bem de perto um fuxico, um balão, um boizinho. É uma experiência dedicada à primeira infância, mas que se amplia para qualquer faixa etária, ao envolver avós, pais, seus filhos e todo aquele que se remeta a um tempo dessa memória inescapável das vivências infantis, descoberta do mundo e suas coisas, resgatando brinquedos e quintais guardados no porão do coração.
Assim, quando as cortinas se abrem, é como se uma janela nos levasse de volta a nós mesmos. É como se uma capa trouxesse ao palco a primeira página da primeira história antigamente contada por nossos avós. É como se um grande pássaro raro e belo nos tomasse em suas asas e nos levasse a um breve, mas profundo passeio, à viagem mais linda para as profundezas do nosso ser, àquele lugar morno e confortável que às vezes se perde de nós e nos torna empedernidos, duros como aço. Voltamos à moleza do barro. Ao corpo frágil que requer ser cuidado e acalentado por mão e voz maternas. É quase como voltar à barriga da terra, nossa mãe maior, natureza da qual somos parte, mesmo que esquecidos disso.
Cafuné é um carinho formado da mistura de diversas linguagens artísticas: música, danças, artes visuais e cultura popular brasileira, onde o fazer artesanal se manifesta em cada detalhe que, de forma antropofágica, rompe fronteiras ao misturar as grandes proporções esculturais dos balés da Bauhaus com a irreverência colorida dos parangolés de Hélio Oiticica, os mamulengos e alegorias dos festejos das tantas festas regionais do Brasil. O corpo vira arte, escultura que se move e comove aqueles que com ele vibram em simpatia.
Ninguém resiste ao apelo do Cafuné. Voltamos a ser crianças com os bebês que carregamos, com as crianças em nossos colos e tomadas por nossas mãos. Voltamos à nossa original fragilidade e à consciência de que dependemos sempre de um outro. Como em um sonho antigo, vemos desfilarem cores vibrantes, associadas a sentimentos e aos gritos da plateia que interage sem amarras. Há um misto surreal de ingenuidade e verdade nua, no arco-íris de fitas multicores, em que borboleteamos. Cantamos como se fossem nossas velhas conhecidas as canções de Valter Silva, que contam sobre brincadeiras no quintal e barquinhos de papel. São canções feitas de águas que nos arrastam para que sejamos salvos. O corpo vibra: vira percussão. Viaja até as nuvens nas quais simulamos todos os possíveis: de aviões a sacis. Embarcamos no algodão para chegar a um trem que solta bolhas de sabão. Ficamos perto uns dos outros, pois é impossível um cafuné à distância. Para receber, é preciso estar junto, entregar-se por inteiro e sem medo de voltar à inocência perdida.
O espetáculo tem a marca da Cia Tempo de Brincar, formada pela artista visual e atriz Elaine Buzato e pelo músico e compositor Valter Silva, com uma trajetória de quase 20 anos de trabalho dedicados à pesquisa em culturas populares e infância, na linguagem do afeto e da comunicação poética. O trabalho da Cia já rendeu 6 Cds de canções autorais e mais de 12 espetáculos em cartaz.
Em Cafuné, o processo de criação é simultâneo e se retroalimenta, pois nasce de uma cena que vira canção, de sons que se transformaram em movimentos e gestos, de objetos e bonecos que inspiraram músicas e vice-versa, assim, de forma orgânica e artesanal foram gerados tanto o espetáculo musical, tecido na mistura antropofágica de danças e ritmos brasileiros, além de bonecos, figurinos e adereços criados por Elaine Buzato, quanto o álbum de canções inéditas criadas por Valter Silva.
O novo álbum:
O fazer artesanal se reafirma tanto na produção do espetáculo quanto no processo de produção musical, com as canções de Valter gravadas no estúdio Casa do Saci, sede do grupo na cidade de Sorocaba.
As composições receberam arranjos lúdicos e delicados para diversos instrumentos, com participações muito especiais: arranjos de vozes e voz: Danielle Domingos – Contrabaixo e Cello: Luiz Anthony – Acordeon: Beto Correia – Piano e efeitos: Julio Paz , Sax: Jefferson Goiaba, além do Coro Infantil: Morzato, formado pelas sobrinhas dos artistas e filhos de amigos.
Além de ser lançado nas plataformas digitais, o novo álbum também virou CD: com um encarte que é um livro de arte, com fotografias de Ricardo Camargo, e uma embalagem artesanal feita de tecido embrulhada com um enorme fuxico – um arremate para tanto carinho.

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